Transtorno de estresse pós traumático

Só recentemente a Psiquiatria Brasileira começou a reconhecer a importância do diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Embora os brasileiros tenham uma alta prevalência de exposição a eventos traumáticos, como acidentes e homicídios, há poucos estudos teóricos e empíricos sobre o TEPT em nosso país. Este texto tem como foco descrever brevemente o diagnóstico de TEPT, detalhando sua fenomenologia. Após discutir a definição de evento traumático, nós focalizamos nos desafios do exame psíquico desses pacientes. Concluímos, salientando a importância do diagnóstico de TEPT para a Psiquiatria, pois ele fornece uma estrutura referencial-conceitual para a pesquisa dos efeitos do estresse e do trauma.

Formas de apresentação do TEPT na clínica geral:
Freqüentemente, os pacientes com TEPT são atendidos em unidades de cuidados primários e ambulatórios de clínica médi- ca, com queixas somáticas mais ou menos vagas. Podem ainda ir a um neurologista, queixando-se de cefaléia, a um gastroenterologista, por conta de uma epigastralgia, ou a um cardiologista, devido a palpitações. Em contrapartida, pacientes com TEPT podem ativamente evitar certos especialistas e modalidades de exames: por exemplo, pacientes vítimas de estupro podem se sentir muito mal apenas com a idéia de se sub- meterem a um exame ginecológico.
Pacientes com neoplasias podem desenvolver TEPT ao serem informados a respeito desse diagnóstico e, devido a isso, apresentarem sintomas de evitação, não aderindo aos esquemas de tratamentos e evitando comparecer a suas consultas hospitalares. Essa é uma área nova na pesquisa do TEPT. Só recentemente, percebeu-se que condições clínicas potencial- mente graves, como as neoplasias ou as doenças coronarianas, poderiam constituir-se em um evento traumático e resultar na síndrome do TEPT.8
Diagnóstico do TEPT:
O TEPT é um transtorno de ansiedade precipitado por um trauma. O traço essencial deste transtorno é que seu desenvol- vimento está ligado a um evento traumático de natureza extre- ma. Uma fração significativa dos sobreviventes de experiências traumáticas irá desenvolver uma constelação aguda de sinto- mas de TEPT, que pode ser dividida em três grupos: revivescência do trauma, esquiva/entorpecimento emocional e hiperestimulação autonômica. O TEPT é diagnosticado se esses sintomas persistirem por quatro semanas após a ocorrência do trauma e se redundarem em comprometimento social e ocupacional significativos. Os critérios para o diagnóstico de TEPT estão resumidos aqui.
Os critérios de TEPT pelo DSM-IV são muito semelhantes aos da CID-10. Entretanto, há algumas diferenças importantes entre os dois sistemas. A mais significativa delas diz respeito à ênfase reduzida dada pelo sistema CID-10 aos sintomas de esquiva/entorpecimento e de hiperestimulação.
Quadro clínico – A tríade psicopatológica
Revivescência do trauma
O primeiro grupo de sintomas do TEPT é o relacionado às revivescências do trauma. Esses sintomas de reexperimentação do trauma são específicos do TEPT, não sendo observados em outros transtornos psiquiátricos. As revivescências podem se apresentar sob diversas formas: sonhos vívidos, pesadelos, pensamentos ou sentimentos incontroláveis, flashbacks. O paciente queixa-se de pensamentos, imagens, sentimentos e comportamentos recorrentes relacionados ao evento traumáti- co. Estes fenômenos são dolorosos e tentam repetidamente tornar-se conscientes e dominar a atenção da pessoa. Tais re- cordações são intrusivas, pois surgem na mente e tendem a permanecer nela, ainda que o paciente tente lutar contra este pensamento (Charcot, 1887, um dos primeiros a descrever as seqüelas de traumas emocionais, chamava essas intrusões de “parasitas da mente”).
Às vezes, as intrusões surgem de modo inopinado, torturan- do o paciente no seu momento de lazer. Por exemplo, quando a imagem do rosto do assaltante aparece enquanto a pessoa está vendo televisão, comendo pipoca e tentando permanecer serena. Essas recordações intrusivas comumente provocam senti- mentos de medo, terror, raiva, impotência, vulnerabilidade, vergonha, tristeza e culpa. Os pesadelos são uma modalidade co- mum de se reviver o trauma. Todo paciente com queixas de pesadelos recorrentes deve ser investigado quanto à existên- cia de eventos traumáticos.
Essa característica peculiar do TEPT – a de apresentar exuberante fenômenos psicopatológicos centrados em revivescências intrusivas extremamente dolorosas faz com que alguns autores considerem esse transtorno uma modalidade de patologia da memória. Segundo esses, os pacientes ficari- am irremediavelmente presos a um passado perenizado e vive-
Tabela – Características Centrais do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) Segundo o DSM-IV:
Lembranças intrusivas
Pesadelos traumáticos
“Flashbacks” dissociativos
Sofrimento psíquico evocado por estímulos relacionados ao trauma Reatividade fisiológica evocada por estímulos relacionados ao trauma
Tríade Sintomática Apresentada pelos Pacientes com TEPT Esquiva/Entorpecimento
Emocional
Esforços para evitar pensamentos e sentimentos associados com o trauma
Esforços para evitar atividades, locais ou pessoas associadas com o trauma Redução do interesse nas atividades
Sensação de distanciamento em relação a outras pessoas. Restrição da expressão afetiva, entorpecimento emocional. Sentimento de um futuro abreviado. Hiperestimulação Autonômica
Insônia Irritabilidade
Dificuldade em concentrar-

Exemplo clínico:
Nas palavras de Sandra, 17 anos, vítima de estupro: “… o pior
não foi o estupro em si, mas as inúmeras vezes em que eu vivo a sensação concreta de estar sendo estuprada novamente… inclusive sinto as reações fisiológicas de meu corpo, como se tudo estivesse acontecendo de novo…. sinto aquele bafo repulsivo de bebida…..é horrível!…”
Os flashbacks são geralmente precipitados por estímulos associados ao trauma.
Exemplo clínico:
“Um policial militar, 27 anos, que viu um amigo morrer atingindo por tiros durante uma incursão numa favela do Rio. Esta operação militar foi apoiada por um helicóptero da Polícia Civil. Desde então, mesmo quando está fora de serviço, seja em casa ou na praia, sempre que ouve o ruído de um helicóptero, joga- se ao chão, procurando escapar das balas (imaginárias) dos traficantes. Em algumas ocasiões, chega a ouvir o barulho de tiros com toda a clareza, o que aumenta o seu pavor.”
Esse caso ilustra como, durante episódios dissociativos, alguns pacientes podem chegar a apresentar ilusões e fenômenos alucinatórios transitórios, bem como outros sintomas psicóticos.
Esquiva e entorpecimento emocional
Os pacientes usam uma série de estratégias emocionais, cognitivas e comportamentais para minorizarem o sofrimento e o terror causado pelas revivescências traumáticas e pelos sin- tomas de hiperestimulação autonômica a elas associados. Essãs estratégias resultam em comportamentos variados de esquiçá e no desenvolvimento de um entorpecimento emocional (anestesia emocional).
A esquiva corresponde a uma tentativa desesperada de evitar contato com tudo que relembre o trauma. Classicamente, o paciente evita falar, pensar ou ir a locais associados ao trauma. Em alguns casos, pode ocorrer o fenômeno da amnésia psicogênica.
Exemplo Clínico:
“Carlos, nove anos, testemunhou o assassinato da mãe pelo pai alcoolizado. O menino relatou que se lembrava de que o pai havia chegado bêbado em casa e de que tinha começado a gritar com todos. Não se recordava de nada do que tinha ocorrido nos momentos seguintes, embora uma tia sua tivesse contado que ele presenciara o assassinato, enquanto estava petrificado num canto da sala.”
A evitação pode assumir formas sutis. Para fugir das lembranças intrusivas, o paciente pode se drogar (para anestesiar o sofrimento psíquico) ou utilizar mecanismos dissociativos, que servem para manter fora da consciência os pensamentos e sentimentos penosos. O paciente pode também apresentar uma redução do interesse ou da participação em atividades que antes lhe eram importantes. Para se fazer o diagnóstico correto, é essencial atentar para coincidência cronológica entre a ocorrência do evento traumático e a mudança do padrão de comportamento.
O entorpecimento psíquico (numbing) é outra manifestação
Diagnóstico do TEPT:
dos mecanismos psicológicos através dos quais os pacientes com TEPT se “anestesiam” para escapar do terror, do pânico e do sofrimento intoleráveis acarretados pelos sintomas de revivescência do trauma. O problema é que esse entorpecimento, não somente as memórias dolorosas, como também as emoções positivas. O paciente passa a ficar indiferente frente a coisas que antes lhe eram prazerosas, como fazer viagens, falar com amigos, ouvir música e brincar com os filhos.
Exemplo Clínico:
“Jonas, 28 anos, auxiliar de enfermagem, era membro de uma equipe de resgate que fazia o atendimento a um traficante ferido numa favela, surpreendido pelo retorno dos traficantes rivais, que o haviam baleado poucos minutos antes. Estes pediram que a equipe de resgate se afastasse e friamente executaram o homem ferido. Jonas, escondido dentro da ambulância, estava aterrorizado com a idéia de que ele e seus colegas seriam também mortos, por terem testemunhado o crime. Contudo, os tra- ficantes foram embora sem molestar (ao menos, fisicamente) a equipe. Porém, nos dias subseqüentes, Jonas não conseguia dormir direito e logo desenvolveu um entorpecimento emocional como seqüela do episódio. Seis meses depois, continuava a apresentar um distanciamento afetivo dos filhos e dos amigos, passando a ser uma pessoa seca e reservada, indiferente a todas as situações, fossem elas agradáveis ou incômodas.”
Essa restrição na amplitude dos afetos denomina-se entorpecimento psíquico. Pacientes com TEPT passam a ter dificuldade em rir, chorar, amar, ter ternura, compadecer-se ou sentir atração sexual. Parecem “mortos para a vida”, isolando-se dos amigos e dos familiares. Como se pode ver, o “preço” pago pela anestesia dos sentimentos dolorosos é alto. Esses pacientes podem também sentir-se desconectados de si mesmos, de seu ambiente, até de seu futuro, tendo uma sensação de “futuro abreviado”. Pode parecer-lhes não haver um porvir. Param de fazer planos de carreira, de viagens, de tudo. Resta somente um presente tenso, constantemente invadido pelas memórias incômodas do passado.

Diante do diagnóstico de um bom profissional é essencial o bom acompanhamento psiquiátrico, a adesão à algo que mude sua ideia de como vê a situação de trauma e o estresse visando o passar pelo período crítico de uma maneira mais branda e rasteira! Tept é um dos grandes diagnósticos muitas vezes não vistos por alguns profissionais o que demoram muito para serem tratados de forma errônea como depressão, ansiedade, sintomas mistos ou demais diagnósticos. Eventos traumáticos com certeza devem ser investigados em todas consultas psiquiátricas visando o rápido reconhecimento e tratamento da psicopatologia.


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